terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Criança-mãe

Sempre me apelidaram de “mãezinha” e consistentemente nunca gostei de tal. Desde tenra idade que me apontam este instinto cuidador, dizendo que há em mim uma predisposição (quase) inata para ser mamã, uma vez que diligentemente expresso afectos, cuidados, preocupações, e todas essas coisas que se associam às mães. Ora, essas expressões constantes não são forçadas, nem sequer têm o propósito de fazer com que aqueles que me rodeiam se sintam como qualquer coisa próxima de filhos; já aqui escrevi outras vezes a explicação mais honesta que encontro em mim – só sai.

Há uns dias atrás a minha querida Meg (enquanto conversávamos acerca de um terceiro amigo) foi ainda mais longe nesta coisa do ser maternal: afirmou que eu tinha “estaleca para ser mãe espiritual”, uma vez que “há medida que crescemos na fé e influenciamos a vida de outros eles consideram-nos ‘pais’ (…). Jesus é O [nosso] exemplo mas Ele vai aperfeiçoando pessoas aqui na Terra, as quais amamos e nos corrigem e admoestam, e esses são os nossos pais”. Estas palavras ficaram a ecoar em mim; a conversa seguiu o seu rumo e o peso da associação recorrente ficou aqui comigo.

Sei que cada par de olhos vê o mundo “com as suas lentes”, e também suponho que esta característica não cessará de me ser atribuída por aqueles que me conhecem (e vão conhecendo cada dia mais), mas a sensação agridoce que esta adjectivação traz também se intensifica. Que honra é poder ler estas palavras tão doces e sublimes aplicadas a mim, e saber que quem as diz acredita de verdade nelas; que fabuloso seria sentir que tais coisas se aplicam a mim com a mesma convicção.

Não sou nem me sinto como se fosse “mãe” (espiritual ou não) de ninguém. Só Deus sabe como Lhe peço fervorosamente que me faça mais parecida com o que Ele quer que eu seja, com o potencial que os outros que me amam vêem em mim; com o que ainda não se cumpriu. Ele lê-me inteiramente, e sabe que ainda tenho tanto que andar, tanta sopa para comer até ser mãe espiritual de alguém, até ser mãe de alguém (“no verdadeiro sentido da palavra”).

(suspiro)

“O que é um adulto? Uma criança de idade.” (Simone de Beauvoir)

O que sou eu? “Uma criança de idade.”

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Fisionomísses

Sou fascinada por caras. Para mim é sempre avassalador poder verificar que há tantos narizes diferentes, tantos formatos de lábios, tantas variedades de olhos, cores, sobrancelhas, orelhas… e como a quantidade de combinações parece infinita. É-me difícil considerar uma pessoa feia; sou obcecadamente fã da diversidade. Mas isto não é o melhor das caras. O melhor das caras são, sem dúvida (!), as expressões! Ah, como eu me regalo a ver o esforço na testa, a contracção das bochechas, o beicinho ou a comichão, cada particularidade apetitosamente expressiva.

Rebolo a rir por dentro com as caras das pessoas. E não é um gozo maldoso, é um gozo de quem se deleita nas maravilhas da Criação. Cada qual com a suas coisas emblemáticas, todos juntos num explosivo cocktail de caras que se expressam sem pensar.

É um fascínio, ponto final.




NOTA: Este texto é de dia 15 de Novembro do presente ano, e foi escrito na biblioteca. Uma vez que estou, agora mesmo, perdidamente distraída na biblioteca, resolvi partilhá-lo. Isto que escrevi assola-me trezentas mil vezes por dia. E é muito comum, também na biblioteca, esquecer-me dos papéis e do estudo por ficar a olhar para as caras de quem me circunda.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"Hás de ver, surpreso, quanto Deus já fez"

Ela chora (tanto!). Que dor copiosa, a que invade o coração, que esses olhos inchados e emersos em água e sal instalam. Chora, quase sem cessar. Às vezes os dias passam e ela consegue soltar uma das suas deliciosas gargalhadas, mas na maior parte dos dias, ela chora, muito.

“Conta as bênçãos!”, repito, às vezes para fora, muitas vezes para dentro. Isso ajuda-me a não chorar como ela, é o que me alivia o coração, o que me humilha e me torna grata. “Conta as bênçãos!”, grito, às vezes baixinho, muitas vezes por palavras diferentes. E ela, pobre, chora.

Presumo que eu seja como eles dizem, inocente, infantil, cega para a atroz realidade que vem atrás de nós como um papão para nos apanhar. Mas continuo a contar as bênçãos:

Uma casa, um aquecedor, roupa, botas, ténis, irmãos, irmãs, pais, avós (todos vivos), primos, primas, amigos, amigas, risos, estudos, livros, bibliotecas, canções, computadores, água, perfume, cremes cheirosos, liberdade, a vida eterna, uma igreja, muitas igrejas, internet, palavras, expressões, funcionalidades, canalização, luz, electricidade, autocarros, comboios, barcos, pontes, aviões, céu, nuvens, sol, chuva, guarda-chuvas, casacos, lenços, cachecóis, agasalhos, pentes, cabelos, olhos, mãos, nãos, sims, boca, pés, nariz, cabeça, cérebro inteiro e funcional, pernas braços, coração, incentivos, equilíbrio, Bíblias, devocionais, desafios, frio, quente, phones, mp3, alimentos, doces, salgados, amor, amor, amor, amor, lágrimas, rotinas, coisas inusitadas, felicidade plena, paz, viagens, telefones, dinheiros, banhos quentes…

Podia ficar aqui horas, dias, meses, a contar as bênçãos. Conta as bênçãos; e não chores tanto assim, por favor. Se ao menos soubesses como somos felizes com o tanto que temos… conta comigo; pode ser que te alivie o coração, que te humilhe e que te lembre de quando aprendeste a ser grata.