terça-feira, 30 de setembro de 2008

À moda antiga

Sempre gostei de cartas. Do sabor que lhes imprimo quando as redijo e do paladar que elas transportam quando as recebo, da magia que as envolve, pelo romantismo que lhes está adjacente, pelo nervoso miudinho que atencede a chegada das mesmas e pela paciência desenvolvida na espera que existe entre enviar e receber uma. Sempre gostei de cartas. Da letra que é cuidadosamente desenhada, da rasura aqui e ali porque o corrector não faz falta entre escritos de amigos, do cheiro do papel que é sempre diferente, da tonalidade da tinta da caneta (que às vezes também falha) e do envelope que confere segurança ao transporte. Sim, sempre gostei de cartas. E quando a distância é quase tão grande como a saudade, quando alberga mais do que aquilo que é suportável, escrevo-as. Maioritariamente para quem me conhece como a palma da mão, ocasionalmente de mim para mim, e ultimamente para leitores que imagino que existam. Escrevo e alivío quase automaticamente.

Por alguma coisa sempre gostei de cartas.


P.S. A fotografia é de antigamente, tirei-a o ano passado. Antigamente escreviam-se cartas com penas.

domingo, 28 de setembro de 2008

Música, como viver sem ela? (8)



E porque há já algum tempo que não me dedicava a partilhar música, hoje deixo-vos com aquela que creio ser a minha preferida, de todas. Pertencente ao grande António Carlos Jobim (ou Tom Jobim) e aqui interpretada pelo não menos grande Caetano Veloso, esta música é a minha de eleição desde tenra idade, do tempo em que ainda nem lhe percebia a letra.
Mais palavras para quê? É deliciar-se com ela.

Um beijinho*

sábado, 27 de setembro de 2008

Justificar-me é escrever frases assim


A fonte de onde costumam jorrar as minhas palavras está a atravessar um período de seca. Há muito para relatar, muito para referênciar e muito para registar, mas palavras a menos para tais tarefas. A fonte que outrora concedia letras combinadas sem quaisquer reservas, agora está somente estática, deitando, ocasionalmente, palavras pingadas a muito custo. Talvez seja das inúmeras vivências que ainda não tiveram tempo de se sedimentar em mim, ou talvez sejam elementos exteriores à fonte, a obstruir a preciosa saída dos vocábulos.


A verdade é que pouco importam as justificações. Faltam-me as palavras para quase tudo e não deviam; preciso demasiado delas.



P.S. A fotografia já é antiga, do tempo em que uma folha branca me fazia comichão até estar carregada de escritos. Tarde de estudos.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Remédio santo

Naquele dia o Anacleto acordou com náuseas. Não havia uma justificação plausível (ou melhor, não estou com vontade de enveredar por esse lado da história), o Anacleto acordara extremamente mal disposto e a única coisa que desejava era a cura para os seus males. A mãe fez-lhe o seu chá milagroso e não resultou. A avó massajou-lhe o couro cabeludo e de nada serviu. O pai sugeriu um remédio-cura-qualquer-maleita que pouco ou nada adiantou. A tia veio visitá-lo (por coincidência, claro está) e o pobre Anacleto permanecia cheio daquele mal-estar que não passava com coisa nenhuma.

Entretanto a Isabelinha continuava a tentar resolver aquele exercício de gramática que a professora de alemão tinha escolhido exclusivamente para ela. Sim, ela sabia que era a aluna preferida; não reconhecer tal facto era tapar o sol com a peneira e, mal por mal, preferia aceitar a revolta do resto da turma concordando com a injustiça de tratamento que a dita professora oferecia. Que culpa tinha ela de ter caído nas boas graças da senhora? Dava voltas e voltas mas não havia maneira de perceber como se resolvia tal exercício. Ela até desconfiava que era matéria adiantada, mas não se atreveu a contestar o brilho dos olhos da professora ao afirmar, perante a turma inteira, assustadoramente convicta, “a Isabelinha faz isto em cinco minutos!”. Naquela folha estava mais que um teste às capacidades da menina Isabelinha, mais que exercícios de gramática deslocados… estava a expectativa toda da senhora professora, posta a prova, em cada espaço para completar.

O Justino já tinha o nome gasto pela governanta da casa. Nunca tinha gostado dela, desde pequenino que ela despertava nele um pavor inexplicável. À medida que os anos foram passando o pavor metamorfoseou-se em rebeldia, aliou-se ao seu feitio traquina e gerou uma rixa que dura até ao momento em que escrevo. O Justino contra a governanta, o primeiro espalhando o caos pelo casarão, a segunda perseguindo-o até à exaustão, sem sinais de fadiga, apesar das inúmeras tentativas falhadas. Hoje, porém, a governanta levou a melhor e apanhou o traquina num momento de despreocupado descanso, após ter desordenado as toalhas e guardanapos do almoço. É certo que este delito era de menor grau, mas a senhora governanta já não apanhava o Justino havia três dias, o que lhe valeu um tratamento que, se aplicado no século XXI, concederia à senhora governanta uma reprimenda pública, uma multa e exclusão social por maus tratos a menores.

Por volta das dezassete horas e vinte e três minutos o Justino conseguiu escapulir-se do castigo para a casa da Isabelinha, onde brincou com ela e a fez esquecer-se da pressão que a professora de alemão exercia sobre ela. Perto da hora do jantar resolveu voltar para casa e pedir desculpa à governanta (em tempo de fome esquecem-se as rixas), não sem antes informar a Isabelinha que o Anacleto estava mais adiantado no que concernia ao alemão. O Anacleto, após terminar de falar com a Isabelinha (ela precisava de uma ajuda naquilo que ele considerou ser um exercício básico!), apercebeu-se de que as náuseas que o tinham acompanhado o dia inteiro se tinham dissolvido com o sopro quente da voz dela a viajar pelo auscultador.

E não pode deixar de se deitar a pensar no poder que o seu doce timbre possuía, que fazia coisas que o chá imbatível da mãe, a massagem perfeita da avó e o remédio-cura-qualquer-maleita do pai não conseguiam.

Um beijinho*

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Um concerto pode ser o bastante...



No dia do encerramento do Avante, a tocar afinados, exímios e com a Big Band do Hot Clube de Portugal (que anteriormente tinha feito as delícias dos amantes do jazz, sendo que eu me incluo neste rol)...

"De Bragança a Lisboa
São 9 Horas de distância
Q'ria ter um avião
P'ra lá ir mais a miúda
Dei cabo da tolerância
Rebentei com três radares
Só para te ter mais perto
Só para tu te dares
E saio Agora!
E vou correndo!
E vou-me embora!
E vou correndo!
Já não demora!
E vou correndo p'ra ti...Maria!!"


Tive mesmo, mas mesmo, de me render. E eu nem era grande fã!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

“Não há quem vos entenda! (risos)” (*)


Foi o cabo dos trabalhos para me fazer parar de falar em ir estudar para fora. O ímpeto característico desta idade de querer sair do ninho, da zona de conforto, e abdicar do comodismo que me é tão querido para viver e estudar mais longe fazia sentir-se como um espirro ou uma comichão… era imperativo ceder ao dito cujo.

A matriarca já não sabia a que técnicas recorrer para cessar tais conversas, tais intentos. Dizia, e dizia bem, que não sabia a sorte que teria se ficasse a estudar perto de casa. Eu nem pensava na sorte, só sentia aquele formigueiro leve de querer muito conhecer verdadeiramente um lugar novo. E no meio de arrumações, organizações e coisas que tais, o meu irmão entrou no quarto devagar, como quem não quer entrar realmente, e perguntou a medo:

“Então, estás a preparar-te para a faculdade?”
“Sim, estou a ver se arranjo espaço para os livros que vêm aí…”
“Pois… mas vais-te embora?... Vais ter de levar tudo contigo não é?”

Como sempre, os olhos dele diziam mais do que as palavras que proferiu. Estava verdadeiramente incomodado com aquela hipótese, ainda que remota, de poder ter de empacotar tudo e deixar a minha cama vazia por uns anos. Abateu-se sobre ele a consciência de que as nossas conversas, as nossas risadas, as nossas zangas e discussões ficariam confinadas ao telefone, ao e-mail, às cartas (se ele tivesse paciência para me responder) e ao fim-de-semana. E os olhos dele, quase (quase) marejados, contrastavam com as palavras que pareceram consumar factos que ainda estão por se decidir.

O coração apertou-se todo e suspirou para dentro. Ir-me embora? Levar tudo comigo? Nem existe uma justificação lógica para tal, mas uma saudade, em jeito de epifania, fez-se sentir logo ali, ao ouvir os olhos do meu irmão.

“Não! Eu provavelmente entro aqui em Lisboa, não te preocupes…”, respondi descontraidamente, e sorri.

Desapareceram os formigueiros todos de querer sair da toca.
Não há nada como a nossa casa, nem há nada como os olhos de um irmão para nos lembrarem disso. Foi remédio santo, mamã.



P.S. Tirei a fotografia em Santa Justa, e pedi aos meus irmãos que exagerassem o que sentiam. Assim o fizeram.


(*) Palavras da minha mãe após lhe ter explicado o porquê de já não querer sair da área metropolitana de Lisboa.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Esta madrugada escrevi assim (4)


A guitarra sussurra-me um fado novo e apetitoso. Acompanha a voz que suspira num tom cúmplice “eu não sei falar de amor” *. Os ouvidos, acariciados pela melodia, engraçam com a frase e esticam-se para melhor absorver a restante letra. Entretanto, já o coração viajou para perto de ti; já começa o organismo a dividir-se em funções múltiplas, as mãos que querem traduzir tudo, os ouvidos que querem beber a letra da música bonita e o coração que quer pular até ao teu encontro.

O rebuliço, portanto.

“Às vezes até parece injusto”, escreveste (acerca das saudades que a distância encomendou), em jeito de remate (porque a conversa acelerava a chegada dessa encomenda incómoda). Concordei plenamente mas não me atrevi a dizê-lo. Mudámos de assunto subtilmente, como já é hábito quando se torna insuportável permanecer batendo na mesma tecla.

Far-se-á justiça no reencontro (ainda que ele não tenha data marcada)
E, contra factos, não há argumentos.



* “Ó vizinho, então adeus!
Vou cuidar de sonhos meus...
que eu não sei falar de amor…”





P.S. A fotografia, tirei-a nos Jardins do Palácio de Cristal , em Massarelos.